O Poeta e a Lua - Vinícius de Morais
Em meio a um cristal de ecos
O poeta vai pela rua
Seus olhos verdes de éter
Abrem cavernas na lua.
A lua volta de flanco
Eriçada de luxúria
O poeta, aloucado e branco
Palpa as nádegas da lua.
Entre as esferas nitentes
Tremeluzem pelos fulvos
O poeta, de olhar dormente
Entreabre o pente da lua.
Em frouxos de luz e água
Palpita a ferida crua
O poeta todo se lava
De palidez e doçura.
Ardente e desesperada
A lua vira em decúbito
A vinda lenta do espasmo
Aguça as pontas da lua.
O poeta afaga-lhe os braços
E o ventre que se menstrua
A lua se curva em arco
Num delírio de luxúria.
O gozo aumenta de súbito
Em frêmitos que perduram
A lua vira o outro quarto
E fica de frente, nua.
O orgasmo desce do espaço
Desfeito em estrelas e nuvens
Nos ventos do mar perpassa
Um salso cheiro de lua
E a lua, no êxtase, cresce
Se dilata e alteia e estua
O poeta se deixa em prece
Ante a beleza da lua.
Depois a lua adormece
E míngua e se apazigua...
O poeta desaparece
Envolto em cantos e plumas
Enquanto a noite enlouquece
No seu claustro de ciúmes.
A rosa desfolhada - Toquinho/Vinícius de Moraes
Tento compor o nosso amor
Dentro da tua ausência.
Toda a loucura, todo o martírio
De uma paixão imensa.
Teu toca-discos, nosso retrato,
Um tempo descuidado...
Tudo pisado, tudo partido,
Tudo no chão, jogado.
E em cada canto
Teu desencanto, tua melancolia.
Teu triste vulto desesperado
Ante o que eu te dizia.
E logo o espanto e logo o insulto,
O amor dilacerado.
E logo o pranto ante a agonia
Do fato consumado.
Silenciosa ficou a rosa
No chão despetalada.
Que eu com meus dedos, tentei a medo
Reconstituir do nada.
O teu perfume, teus doces pêlos,
A tua pele amada.
Tudo desfeito, tudo perdido,
A rosa desfolhada.